A história do “Rei do Gado”, contada por sua neta em Andradina
- 28 de fevereiro de 2020
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“Quem quiser meu endereço / que não se faça de arrogado / é só chegar lá em Andradina / e perguntar pelo rei do gado”.
Os últimos versos da canção que ficou marcada na voz de Tião Carreiro fazem alusão a um dos nomes mais famosos da pecuária brasileira do século passado, o fundador de Andradina, Antônio Joaquim de Moura Andrade. A alcunha, porém, torna-se singela quando se descobre as diversas outras facetas de MOURA ANDRADE, como frequentemente é lembrado.
Dentre os grandes feitos do empresário estão o de ter iniciado e concretizado a aviação civil no país, junto com o amigo e magnata das comunicações Assis Chateaubriand.
O empresário, além de ter fundado as cidades de Andradina e Nova Andradina, participou da fundação de Águas de São Pedro junto com o irmão Octávio. Ele também foi o doador de uma obra de arte para o Masp (Museu de Arte Moderna de São Paulo).
Uma curiosidade: o sobrenome Moura foi adotado pelos irmãos devido ao nome do sócio Guilherme Moura, que dava nome ao empreendimento gerido por eles a “Moura Andrade e Cia.”.
Quem atesta e amplia a visão do renomado empresário é sua neta, Stela de Andrade Haik, que revela outras facetas do famoso avô, de quem ela guarda inesquecíveis lembranças e as compartilha nessa familiar e agradável mensagem. Na propriedade que fora de Joaquim Teodoro de Andrade (tio-avô de Moura Andrade), Stela rememora os tempos em que circulava entre os maiores nomes do empresariado brasileiro, sem se dar conta, à época, de que seu avô era um dos principais nomes do meio.
Segue o depoimento da neta do “Rei do Gado”:
MEMÓRIAS
“A minha visão é bem de neta mesmo. Quando ele faleceu, eu tinha 12 anos. Lembro-me bem dele porque vinha muito pra cá. Nós éramos de São Paulo, então convivia bastante com meu avô e com minha vó. Depois disso viemos para Andradina. Quando nós mudamos pra cá, o vovô sempre vinha porque ia para a Fazenda Guanabara, vinha aqui para o frigorífico. Papai veio tomar conta do Frigorífico Mouran (que era de propriedade da família e atualmente hospeda uma unidade da JBS).
O vovô tinha uma memória incrível e eu me lembro de que chegávamos à Fazenda Guanabara e ele perguntada dos peões pelo nome. Ele tinha 14 fazendas e guardava o nome dos peões. Se ele fosse à casa de um dos peões e conhecesse a mulher do peão, ele guardava o nome, era impressionante!
Ele até contava uma historinha bonitinha, de quando ele chegou na Fazenda Guanabara e perto do curral tinha uma plantaçãozinha de eucalipto e tinha um menino ali perto do curral, ele chegou e chamou o menino: – fulano, (reconheceu o menino que era filho de um peão) cadê seu pai? – ‘Meu pai tá lá nos calipio’. Ai ele falou assim: – ‘não meu filho, calipio não, cê tem que aprender falar direitinho, é eucalipto’. O menino: ‘Eu não, num sô arvi’ (risos) E o vovô achava graça”.
CHATEAUBRIAND
“Meu avô era piloto, ele foi responsável por trazer a Aviação Civil. Ele e o Assis Chateaubriand trouxeram os primeiros “aviões”, fundando a Aviação Civil no Brasil. Esse primeiro avião que eles foram buscar nos Estados Unidos, o Assis Chateaubriand foi junto com o vovô. O Chateaubriand ficava encantadíssimo como meu avô tinha facilidade pra declamar, e ele gostava muito.
Eles se admiravam mutuamente. O vovô também falava que ele era uma pessoa muitíssimo inteligente. E gostavam da companhia um do outro. Além dessa questão de terem feito algumas viagens juntos, também pelo próprio interesse jornalístico do Assis Chateaubriand no fato do vovô na época estar em evidência e ascendência, tendo fundado uma cidade que estava progredindo muito, numa época que era do “pós-guerra”. Era inegável que meu avô era uma pessoa muito influente.
O Chateaubriand era um jornalista muitíssimo inteligente e por ser isso, sempre procurava se acercar de pessoas influentes. O pessoal fala que ele sempre fazia amizade com esse pessoal que tinha muito dinheiro.
Como gostava muito de obras de arte, então sempre tendo oportunidade e sendo amigo dessas pessoas influentes, sempre estava dando uma “facadinha” (vamos dizer assim né) “oh, eu gostei de um quadro assim, muito bonito, você não quer fazer uma doação, pro nosso museu?”.
CAFÉ
“Ele mudou-se para Santos, pois alugou um armazém pra estocar café, porque ele acreditava que estava em vias de estourar a guerra e por isso teve uma crise do café no Brasil e começaram a vender muito barato. Ele falou para o sócio que ia começar a comprar café e o sócio Seraphim Collettes disse: “Antônio você pirou de vez, se você quer comprar café eu estou fora da sociedade, comprem por conta de vocês”. Dai permaneceu ele e o Guilherme Moura.
Eles estocaram cada vez mais café e quando a guerra estourou ele tinha estocado e vendeu em dólar, que foi onde ele ganhou muito dinheiro e começou a comprar terra. Isso fez com que o outro sócio desistisse do negócio. O Guilherme Moura disse que não ia acompanhar mais, pois não queria ir para o interior já que sua esposa era poetisa e queria publicar livros”.
NORDESTINOS
“Tinha um autor brasileiro, se eu não me engano chamava Catulo (da Paixão do Nordeste), ele é nordestino e fez aquelas rimas bonitas que falam da realidade nordestina e tudo. Acho que por conta disso, vovô gostava bastante. Tanto que muitas pessoas achavam que meu avô era nordestino também. Sem contar o tipo físico dele, que era baixinho, “atarracadinho”, fortinho assim, mas ele nasceu em Brotas (num pequeno povoado chamado Espraiada do Varjão).
Na época da abertura da Fazenda Guanabara, teve uma seca muito prolongada no Nordeste, então ele ia de avião (ele tinha um Douglas DC3) para lá e lotava de gente que queria trabalhar aqui, por isso que a base da colonização de Andradina tem muito nordestino, por causa de ele ter trazido muita gente que acabou fixando aqui”.
FAMÍLIA
“Quando os vovôs eram vivos, as férias eram sempre na fazenda perto de Mogi Guaçu, chama Fazenda Cataguá e era a fazenda preferida da minha avó. Quando morávamos em São Paulo, passava minhas férias com a vovó e iam todos os netos. Na adolescência, com 13 anos, vinham para minha casa, onde hoje é a Friboi. Às vezes, meus tios queriam ir para a Europa, mas meus primos vinham para Andradina.
Tem uma historia engraçada: minha irmã foi estudar secretariado no Mackenzie e tinham as menininhas tudo “grã-fininhas”. No final do período, perguntavam: “pra onde vocês vão nas férias?”. Umas para os Estados Unidos, outra para a França, a minha irmã e minha prima estudavam na mesma classe, e elas diziam: “vamos pra Andradina City”, e era aqui!”
SOCIAL
“O vovô era muito caprichoso. Todas as fazendas dele eram aparelhadas de forma que tinha uma preocupação social. Hoje em dia se fala tanto e, para nós na época, era muito natural. As fazendas tinham escola de boa qualidade, pronto socorro, dentista para os funcionários. Eu fiz o primário aqui no colégio que tinha no frigorífico.
Nas Fazendas Guanabara (Andradina), Cataguá (Mogi-Guaçu) e Primavera (Nova Andradina) tinha uma parte social (estrutura), onde os funcionários podiam fazer festas. Tinham Capela para casamento e batizado, elas eram aparelhadas como uma micro vila onde os funcionários tinham esses serviços.
A maioria das fazendas tinha uma horta comunitária que os empregados tomavam conta e usufruíam e também mandavam verduras para a sede”.
RELEVÂNCIA
“Eu sabia que meu avô era uma pessoa muito importante. Ele era uma presença tão cativante que quando ele me fazia um elogio, era espetacular.
Tinha uma aura envolta dele de muita reverência e admiração. Não sei se era simplesmente porque era meu avô, mas era grandiosa a presença dele. Era muito marcante. Ele tinha um jeito altivo, era acessível e isso que era bacana.
Eu já tinha uns oito anos e veio o Marechal (TEIXEIRA) Lott, esteve na minha casa no frigorífico, e meu pai serviu um almoço. Vovô estava presente e também algumas figuras importantes. Eu via que ele estava sempre cercado de gente importante. Tinha uma aura de respeito e formalidade nessas ocasiões e, quando a gente saía em uma festa cívica, eu percebia a reverência das pessoas então eu falava: “Acho que meu avô é importante”.
POLÍTICA
“Meu avô era um pouco avesso à política. Apesar de ele ser uma pessoa que articulava muito bem e transitava em todas as áreas, ele não gostava da política partidária. Tanto que, quando meu tio Auro falou que queria ser político e ia se lançar, ele falou assim: “Meu filho, eu acho que você vai fazer uma besteira, mas você tá dizendo que é isso que você quer, primeiro me diz, por que você quer?” Então meu tio Auro falou que ele tinha vontade de fazer alguma coisa pelo país. “Então se é uma ideologia sua, é uma coisa que você acha que vai ajudar outras pessoas, nós podemos até pensar nisso, mas eu já vou te avisando que não vou gastar um ‘tostão’”. Mas, depois ele entrou, meu avô apoiava, mas não o mantinha com dinheiro.
Meu pai (Antônio Soares de Andrade) foi prefeito em Andradina duas vezes, mas ele não tinha a mesma veia política que meu tio Auro. O tio Auro, era um advogado e tinha o dom da palavra. Os discursos dele sempre mexiam com o civismo, ele falava muito bem, tinha um português bem articulado.
Meu pai foi prefeito porque ele era filho do fundador. Mais por um apelo popular. Como a gente morava em Andradina, ele gostava muito da cidade, então as pessoas começaram a dizer: “Você é filho do fundador, precisa fazer alguma coisa”. Mas só foi prefeito de Andradina e nunca pensou em ser senador ou deputado, nunca quis fazer carreira política.”
RESPEITO
“Como dentro da família tivemos políticos, incluindo meu pai também, mesmo não tendo feito carreira, sempre fui muito realista e centrada. Lembro que eu era bem nova e ia aos comícios, mas não gostava de ficar lá em cima, eu gostava de ficar lá embaixo, escutando o que os outros estavam falando do meu pai. Eu encostava perto de um e de outro e ia tirando minhas conclusões. A mesma coisa em relação ao meu avô.
Eu tenho 68 anos e o que eu pude notar nesses anos, eu sempre viajei muito especialmente dentro do Brasil. São incríveis as inúmeras pessoas que escutam o nome de Moura Andrade e falam bem. Nunca escutei uma coisa pejorativa, sempre falam que Moura Andrade era uma pessoa admirável.”
[Fonte: Hugo Rocha – Especial para a Folha da Região/Rede APJ]