País vive epidemia de febre amarela, diz especialista
- 19 de janeiro de 2018
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O médico e doutor em microbiologia Maurício Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, acredita que o Brasil está vivendo mais que um surto, uma epidemia de febre amarela. “Uma epidemia são surtos ocorrendo em mais de um lugar. Temos surto em São Paulo e surto em Minas Gerais”, explica.
Ele afirma que não há motivo para pânico, já que uma estratégia de vacinação nas regiões de risco já foi delineada, mas discorda do programa do governo. “Toda a população deve ser vacinada, mas não precisa vacinar todo mundo neste mês. Não existe mais motivo para não vacinar o Brasil inteiro, pois o vírus circula em todo o país. O único motivo é que não tem vacina para todo mundo”, diz.
O médico ressalta a repercussão na produção de vacinas dos cortes orçamentários nas áreas da saúde e pesquisa. “Houve um subfinanciamento da pesquisa e da saúde no país a agora pagamos o preço disso. Segundo ele, como não se trata de um produto rentável — cada dose custaria menos de 1 dólar — não há interesse de multinacionais.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), empresa pública que fornece vacinas essenciais para o Ministério da Saúde, é responsável por quase 80% da produção mundial de vacinas contra a febre amarela. “A falta de vacina para a febre amarela é um problema mundial”. Leia a entrevista a seguir.
O Ministério da Saúde declarou que não há surto de febre amarela no Brasil, no entanto, os registros de mortes pela doença aumentaram cinco vezes em uma semana. O que define um surto?
A definição epidemiológica de surto é um aumento do número de casos de uma certa doença acima do número esperado desses casos. Para mim, é surto porque eu não esperava esse número de casos que nós estamos tendo. Se o Ministério da Saúde acha que não é surto, é porque esperava esse número de casos. Então, por que não tomaram atitude antes? Se não é surto, é irresponsabilidade. Na verdade, acho que não é surto, é epidemia. Porque a definição de epidemia são surtos ocorrendo em mais de um lugar. Temos surto em São Paulo e surto em Minas Gerais. Dois surtos equivalem a uma epidemia. Tudo isso é baseado no número de casos esperados.
A busca por vacinação tem gerado longas filas, confusão, uma espécie de pânico. Há razão para isso?
Não há razão para pânico. Existe uma estratégia de vacinação que já foi delineada e está sendo feita, principalmente nas regiões de risco. Essa vacinação tem que ser feita de forma bem clara e transparente para que todo mundo tenha acesso à dose, nem que seja de forma fracionada.
O senhor concorda com essa estratégia?
Não. Acho que toda a população deve ser vacinada, mas de forma escalonada. Não precisa vacinar todo mundo neste mês. Mas nos próximos anos tem que vacinar todo mundo. Não existe mais motivo para não vacinar o Brasil inteiro, pois o vírus circula em todo o País. O vírus já está circulando nos grandes locais onde não circulava antes, que era o litoral do Nordeste e o litoral do Sudeste. O único motivo é que não tem vacina para todo mundo neste momento.
Não tem vacina para todo mundo?
O Ministério da Saúde diz que essa informação é estratégica, não falam esse número. Obviamente, o fracionamento de doses é utilizado quando não se tem vacina. Mas a falta de vacina para febre amarela é um problema mundial, não é um processo que ocorreu agora, mas que ocorre há três ou quatro anos.
As empresas que produzem a vacina não dão conta da demanda?
Acredito que não. É uma vacina muito barata e não há interesse comercial envolvido nela. As grandes multinacionais não têm interesse em produzi-la. É uma vacina que sai menos de 1 dólar a dose.
E as clínicas particulares estão vendendo a vacina a até R$ 300…
As clínicas particulares devem usar provavelmente a vacina francesa. Não acredito que a Fiocruz está fornecendo vacina para clínica privada. Até pela forma de apresentação da vacina. A vacina francesa vem em dose única. Ao abrir o frasco, se utiliza apenas uma dose. Já a vacina da Fiocruz consiste em cinco doses em cada frasco e deve ser utilizada em duas horas. Para a clínica privada, abrir um frasco para uma pessoa é um prejuízo.
O que é exatamente a vacina fracionada? Tem a mesma eficácia da integral?
A vacina fracionada utiliza um quinto ou um quarto da dose normal. Estudos realizados pela Fiocruz com militares no Brasil mostraram que a vacina fracionada funciona relativamente bem, por um tempo razoável de oito anos. No ano retrasado, a vacina controlou uma epidemia na África, mostrando eficácia para controle a curto prazo. Depois de controlada a epidemia, é preciso uma estratégia de planejamento de vacinação a longo prazo no Brasil para que não aconteça o que está ocorrendo agora em Minas Gerais. Belo Horizonte está no calendário vacinal há mais de 15 anos e tem gente morrendo de febre amarela por falta de vacinação.
Em 2015, Angola e República Democrática do Congo tiveram surto da doença e a comunidade internacional, inclusive o Brasil, enviou vacinas.
O estoque é utilizado de maneira mundial. Naquela época, havia pessoas morrendo na África e um estoque aqui sem ser utilizado, pois não havia circulação no Brasil. O que deve ser discutido é se o investimento em tecnologias de produção tem sido adequado. Nos últimos cinco anos, houve um subfinanciamento da pesquisa e da saúde no país a agora pagamos o preço disso.
Como não dá para vacinar todo mundo agora, quem tem prioridade?
Pessoas que moram em cidades onde estejam ocorrendo transmissão e que vão para essas cidades, seguida das regiões com potencial de transmissão. Os dados que a gente tem nesse momento, que são divulgados pelo governo, atribuem todos os casos de transmissão ao Haemagogus e ao Sabethes, que são vetores silvestres, mosquitos que estão em região de mata e onde a cidade encontra a mata, como sítios, chácaras e condomínios fechados que fazem borda com a mata no interior e em São Paulo. Agora, não é um risco que você vai ter, por exemplo, na avenida Paulista.
Essa situação que a população tem que entender. A pessoa que mora na avenida Paulista e trabalha em Higienópolis, por exemplo, não corre risco algum. Agora, a pessoa que trabalha em região de mata em Mairiporã, por exemplo, ou gosta de andar de bike no meio da mata, tem que ser vacinada urgentemente.
Como é possível precisar se é o mosquito Haemagogus ou Aedes aegypti que está transmitindo a doença?
Existe uma investigação caso a caso. Você tenta descobrir onde essa pessoa se contaminou e verifica a presença do mosquito naquela região.
A forma silvestre da doença, que é a que está circulando, pode ser controlada?
A forma urbana pode ser controlada quando se vacina uma cidade inteira e se interrompe a transmissão urbana. A silvestre não tem como bloquear, porque é uma doença da mata. Eu brinco muito que acabar com a febre amarela na Amazônia é facinho: a gente derruba a floresta e faz um estacionamento de concreto. A febre amarela é uma doença que circula entre macacos, mosquitos e outros animais dentro da mata. É impossível extinguir a febre amarela silvestre. No Brasil, nós já extinguimos a febre amarela urbana no passado. Até onde a gente sabe, não existem mais casos de febre amarela urbana no Brasil. Mas a silvestre não tem como.
A única forma de mitigar os efeitos da febre amarela silvestre é não se expor e ela. Se frequento ambiente de mata, tenho que estar vacinado. Dou um exemplo: São José do Rio Preto tem, historicamente, febre amarela. Por que não há óbitos? Porque a população é vacinada. Dois anos atrás, houve um caso. Uma pessoa que trabalhava com construção veio do Nordeste para morar na cidade. Não foi vacinado e foi pescar em um parque chamado Mata dos Macacos, cuja placa na porta avisa que se trata de área de transmissão de febre amarela. Pegou a doença. Então, é preciso conscientizar a população exposta ao risco da mata. Agora vai chegar o Carnaval e muita gente irá acampar em regiões de mata no interior e no litoral. Essa população tem que estar vacinada.