Nick: exemplo de superação e aprendizado com o autismo
- 20 de abril de 2018
- comments
- Portal de Notícias
- Postado em Castilho
- 0
Apesar dos progressos notáveis, mãe reconhece os desafios de educar uma criança especial e relata como a falta de informação dificulta o diagnóstico e tratamento
CASTILHO: Hoje ele está com 14 anos, mas o jovem Nickolas Justin Menezes dos Santos Bastos, não tinha nem dois anos quando Dayane notou os primeiros sinais de que o filho não gostava de ficar no colo, olhar para os rostos das pessoas à sua volta e demonstrar os níveis iniciais de interação social comum às crianças durante o processo de desenvolvimento.
Foi na creche que ele começou a frequentar a partir do momento que ela precisou trabalhar que as suspeitas de Dayane Cristina Menezes dos Santos Alves, 34, se confirmaram. “Foi a professora dele quem suspeitou que Nickolas poderia ser uma criança autista. Quando fui buscá-lo na creche no final do primeiro dia, ela me chamou para conversar, pediu que eu não me assustasse, e apresentou suas suspeitas”, relata a mãe, que na época morava com os pais e residia na cidade de Três Lagoas-MS.
Era o início de uma jornada de aprendizado e dedicação que consumiu quatro anos de acompanhamento por psiquiatra e neuro, inúmeras sessões com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e professores capacitados para lidar com crianças especiais na rede de ensino.
Enquanto o diagnóstico definitivo não saia, Dayane precisou levar Nickolas diversas vezes a Campo Grande, já que Três Lagoas não possuía equipe especializada para uma avaliação definitiva. Enquanto isso, o garoto frequentava a APAE do município, única entidade com equipe técnica treinada para acompanhar crianças especiais e orientar os pais a lidar com estes casos no dia a dia.
Ao final das avaliações, o laudo diagnosticou Síndrome de Asperger leve/moderado, que Dayane diz apresentar diferentes características, sendo algumas delas ruins e outras boas. Este tipo de autismo é o mesmo que possui o craque argentino Lionel Messi, eleito melhor jogador do mundo. Mas o cenário mundial ainda apresenta outros seres notáveis, como Albert Einstein, o filantropo multibilionário Bill Gates, o supergênio Jacob Barnett (cujo QI dizem ser ainda maior que de Einstein) e Temple Grandin, por exemplo, todos autistas cujas contribuições ao mundo são surpreendentes.
O DIAGNÓSTICO – Em entrevista ao GRUPO PORTAL, Dayane conta em detalhes esta jornada. “Hoje as coisas são difíceis. Imagine então como eram há 14 anos atrás. Quando o Nickolas nasceu eu morava com meus pais e notei que ele era diferente. Não gostava de colo, mas a gente pegava e ele chorava. Algum tempo depois descobri que a criança autista não gosta de contato. Naquela época, médico nenhum sabia o que era; nem o pediatra sabia o que era. Foi se passando o tempo e ele cada dia mais diferente e distante da gente. Com um ano e meio ele foi pra creche porque eu precisava trabalhar. A professora que o recebeu também lecionava com crianças especiais na APAE e já no primeiro dia de aula notou que ele tinha as características do autismo. Na hora que fui buscá-lo ela me chamou, pediu desculpas e disse que eu não ficasse assustada porque talvez eu não conhecesse, mas o Nickolas tinha as características do autismo. Eu realmente fiquei sem reação e perguntei: o que é isso?, porque eu simplesmente nunca tinha ouvido falar. Ela me explicou o que era. Depois desta conversa foram chamados o pessoal da Secretaria de Educação, psicólogo e outros profissionais para que ele pudesse ser avaliado. Após este contato inicial fomos encaminhados para Campo Grande-MS, já que em Três Lagoas não havia recursos para um diagnóstico preciso. Na Santa Casa da capital sul-mato-grossense ele passou por um psiquiatra. Após a consulta, este nos encaminhou para o AMA-Campo Grande, que é a Associação de Pais e Amigos dos Autistas, onde ele foi avaliado e confirmou-se as características do autismo. Mas quem fecha o laudo e constata o autismo de forma definitiva são o psiquiatra e o neuro. Nenhum outro médico naquela época pôde afirmar em definitivo se a pessoa era autista ou não. Somente com as avaliações e convivência o médico definia este diagnóstico. Portanto, não foi coisa de um dia: chegar lá e o médico assinar um laudo afirmando que o filho é autista”.
Foram várias visitas e retornos até que o laudo fosse fechado, e nisso o tempo foi se passando. Nesse meio tempo, o Nickolas entrou pra escola e no primeiro ano ele não foi aceito por não haverem professores capacitados para lidar com o autismo. “Tive que recorrer à APAE por ser o único lugar que poderia me auxiliar no caso dele. Entenda que ele foi para o médico com apenas um ano e meio e o laudo só foi fechado quando ele já tinha quase seis anos. Isso mostra o quanto as coisas anteriormente eram difíceis. O Nickolas apresenta grau leve de autismo, por isso mesmo demorou mais para se fechar o diagnóstico, já que o processo envolvia eliminar outras possibilidades clínicas.”
“A professora me pediu que não ficasse assustada e disse que o Nick tinha características do autismo. Eu realmente fiquei sem reação e perguntei: o que é isso?, porque eu simplesmente nunca tinha ouvido falar”.
PÉ NA ESTRADA – As idas a Campo Grande consumiam cinco longas horas de viagem até que Nickolas chegasse à Santa Casa para ser avaliado por Neuro e Psicólogo, duas únicas especialidades disponíveis para atendimento deste tipo de caso. Para ser aceito pela Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Campo Grande, havia a necessidade do laudo médico constatando a síndrome.
Como já foi dito, até que o laudo fosse emitido, Nickolas estudou três anos na APAE, o que ajudou muito em sua evolução. “Dentro da APAE têm fonoaudióloga, psicóloga, neuro, terapia ocupacional e ficava tudo ali mesmo em Três Lagoas, facilitando nossas vidas. O trabalho conjunto de todos estes profissionais é muito importante para o desenvolvimento da criança especial”, explica a mãe.
Quando Nickolas tinha 10 anos, mudaram-se para Castilho. Nesta época, Dayane reiniciou as buscas por apoio para conseguir dar continuidade ao tratamento na Associação de Pais e Amigos do Autista de Araçatuba (AMA-Araçatuba). “Só consegui isso no ano passado através da ajuda de um vereador. Já faz um ano e meio que ele faz este acompanhamento em Araçatuba. No ano passado ele ia duas vezes na semana. Neste ano ele vai três vezes. Lá, assim como era em Três Lagoas, ele é acompanhado por fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogo, neuro, fisioterapeuta e tudo o que é especialmente voltado ao atendimento do autista”, completa Dayane.
PROGRESSO – “O Nickolas não comia. Ele só tomava líquidos: água, suco, leite, Yakult. Hoje ele come de tudo, porque é um trabalho realizado em conjunto pela fonoaudióloga e a terapeuta ocupacional. Quem é da família ou teve a oportunidade de conhecê-lo neste período, sabe como ele era e como é hoje. Notamos uma melhora incrível de quase 100%”.
“O Nickolas não comia. Ele só tomava líquidos: água, suco, leite, Yakult. Hoje ele come de tudo!”
APOIO LIMITADO AOS ESPECIAIS – “O CIS [Centro Integrado de Saúde] de Castilho possui especialistas como fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo e fisioterapeuta, mas nenhum deles é especializado em lidar com as necessidades de uma criança autista e sua família, porque eles são diferentes das demais crianças especiais. Andradina também não possui este tipo específico de assistência. E o mesmo acontece nos serviços de Saúde Pública das demais cidades da região. Por isso precisamos fazer o acompanhamento em Araçatuba, onde, atualmente, outras três crianças castilhenses além do Nickolas fazem este tratamento”, informa Dayane.
Além disso, “não temos nenhum Grupo de Apoio. O que ocorre é que nós, mães, nos ajudamos. No Facebook eu mantenho contato com muitos outros pais e a gente se ajuda com trocas de informações. Na Associação de Pais e Amigos do Autista de Araçatuba também há muito apoio e união entre os pais. Participo ainda de grupos online que tem a mesma finalidade, mas, infelizmente, na cidade não existe nenhum grupo físico e real de apoio.”
INCLUSÃO – “O autismo não nos impede de sermos felizes, mas a falta de informação, sim!, afirmou Dayane ao queixar-se que a rede pública de ensino não está preparada para a inclusão destes alunos especiais. Segundo ela, a criança especial é recebida pela unidade escolar mas fica esquecida ali, sem nenhum tipo de atenção própria para as necessidades dos mesmos. “Ele é autista sim, mas também é um cidadão e merece respeito, merece ser incluído nas atividades. Meu filho é independente, é inteligente, é forte, é carinhoso, é amigo. Só precisa ser compreendido! Mas as escolas sequer promovem palestras para que os demais alunos possam entender estas crianças especiais e aprender a lidar com elas. Pra dizer a verdade, nem a maioria dos professores, membros da direção e funcionários das escolas, sabem como lidar com eles”, desabada a mãe.
INTERNET COMO FERRAMENTA DE APOIO – “As informações a gente busca na internet, porquê não existe nenhuma outra forma de apoio concreto além das orientações que nos são passadas pelos profissionais que lidam com nossos filhos. Médicos e pais são amigos e nos ajudamos muito. Quaisquer dúvidas eles nos esclarecem. Mas é importante frisar que cada autista é diferente um do outro, assim como nós mesmos somos diferentes uns dos outros. Então nem sempre dá pra escutar o depoimento de uma mãe, absorver sua experiência e carregar para o nosso filho, porque as realidades são distintas. Hoje, passados 14 anos, fico feliz que o assunto esteja sendo falado mais abertamente, haja mais informações e até mesmo um dia mundial para conscientização sobre o assunto.”
“Hoje, passados 14 anos, fico feliz que o assunto esteja sendo falado mais abertamente, haja mais informações e até mesmo um dia mundial para conscientização sobre o assunto.”
COMO É PARA OS PAIS – Quem leu o artigo reproduzido pelo PORTAL sobre o que é o autismo, notou que os especialistas recomendam que os pais tenham um momento de lazer para amenizar o estresse diário de lidar com uma criança especial. Mas encontrar este tempo extra na rotina diária não é tão simples quanto parece.
“Ser pai de autista é muito estressante, viu. O Nickolas é fruto do meu primeiro casamento e, infelizmente, o pai não colabora como deveria. Perdi minha mãe quatro anos atrás e era ela quem me ajudava muito. Meu pai é depressivo e já não posso contar com ele. Meus sogros atuais moram no sítio, quase chegando em Três Lagoas, de modo que também não posso contar muito com eles. Ainda assim, tanto eles [sogros] quanto meu marido [Rogério] tratam o Nickolas como neto e filho, respectivamente, dando o suporte sem o qual eu não sei o que seria de mim. Temos dois outros filhos pequenos, um de 05 e outro de 06 anos, e assim vocês podem imaginar como é a minha cabeça. E o menor [de 05 anos] é ligado no 220v (risos). Então, tempo mesmo pra passear e pra sair a gente não tem, porque teríamos que pagar alguém pra ficar com o Nickolas e as crianças. O Nickolas não me dá trabalho como os pequenos dão, mas ele é uma criança especial. Portanto, o tempo que temos é pra estar incluindo ele na sociedade. Se vamos sair, temos que levar ele. No final do mês passado [30/03], por exemplo, fomos a um aniversário em Andradina e é complicado, porque uma criança autista prefere ficar trancada dentro de casa do que interagindo com outras crianças em um ambiente que não seja o deles. Tudo acaba incomodando: excesso de luz, barulho, conversas, etc. Os autistas são chamados de sensoriais, porque este aspecto deles é muito bagunçado, por isso tais coisas incomodam, provocam dores de cabeça e crises. Apesar disso, precisamos continuar inserindo ele na sociedade e por isso não temos muito tempo livre para nós dois. É muito difícil. Eu vivo cansada, mas não é um cansaço físico. É a cabeça cansada. É estafa. Nosso psicológico cansa e muitas vezes sentimos que não estamos indo pra frente. Intervir numa crise deles é ainda mais complicado, porque eles choram, entram em pânico e a gente tem que abraçar, proteger, acalmar, mas acontece de, às vezes, sairmos até machucados destes episódios, porque eles batem e mordem; e fazem isso porque não querem ser contidos. Pra piorar, a cidade não oferece nenhuma opção de lazer. Se pelo menos tivesse algo ou algum lugar onde eu pudesse levá-lo para ajudar a distraí-lo e facilitar o processo de interação, já me ajudaria muito, mas muito mesmo!”
“Tudo acaba incomodando eles: excesso de luz, barulho, conversas, etc. Os autistas são chamados de sensoriais, porque este aspecto deles é muito bagunçado, por isso tais coisas incomodam, provocam dores de cabeça e crises.”
INTELIGÊNCIA ACIMA DA MÉDIA – “A inteligência deles é duas vezes maior que a nossa. Não sei dizer quanto isso significa em números, mas sei que a deles é muito maior. Vou exemplificar com um acontecimento recente. O Nickolas se interessou pelo Projeto Guri, e quis fazer aulas de bateria. Em apenas dois dias ele já sabia os primeiros passos que a professora ensina em não sei quantos meses. Com isso, ele perdeu o interesse, pois queria passar para a próxima fase e não pode, pois existem outros alunos que precisam aprender cada etapa no ritmo normal. Hoje se fala muito em inclusão, mas a realidade é que nossa sociedade ainda não está preparada para receber o autista ou qualquer outra criança especial na maioria destes programas disponíveis”, exemplifica Dayane.
“Albert Einstein era autista, assim como o Messi é autista. Agora imagine só como é este mundo deles e como são incompreendidos pelos demais.”
Outro interesse dele é a informática, mas ele quer aprender outras coisas, porque no computador pessoal, ele “já é fera”, como diz a mãe. “A inteligência deles é excepcional. Albert Einstein era autista, assim como o Messi é autista. Agora imagine só como é este mundo deles e como são incompreendidos pelos demais. É difícil pra nós como pais; é difícil para as pessoas que lidam com ele e é ainda mais complicado para eles, que não entendem o mundo em que vivem. Apesar destes 14 anos de convivência diária, eu não sei tudo sobre ele. Cada dia é uma nova experiência, um novo aprendizado para todos aqueles que vivem com ele”.