Você sabia: votos brancos e nulos podem beneficiar Bolsonaro no 2º turno
- 16 de outubro de 2018
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Leticia Mori/Da BBC Brasil, em São Paulo
Conquistar parte dos votos brancos e nulos é um dos desafios que o candidato à Presidência Fernando Haddad (PT) precisaria superar para vencer o líder no primeiro turno, Jair Bolsonaro (PSL)
Haddad tem 41% das intenções de voto, de acordo com a pesquisa Ibope divulgada nesta segunda-feira, 15 de outubro. Bolsonaro tem 59%. Como a diferença na intenção de votos é alta – 18 pontos –, Haddad precisaria não apenas atrair os votos que foram para outros candidatos no primeiro turno, mas convencer alguns dos que votaram em branco e nulo a se posicionarem, segundo o sociólogo Thiago de Aragão, da Arko Consultoria.
Isso porque, na prática, esses votos ajudam quem está na frente na disputa – como não são contabilizados entre os votos válidos, facilitam a obtenção de maioria pelo líder nas pesquisas. A mesma lógica vale para as abstenções.
Embora historicamente o número de brancos e nulos sempre seja menor no segundo turno, os especialistas afirmam que não necessariamente a tendência vai se repetir no segundo turno em 2018, porque o pleito deste ano é extremamente atípico.
“A comparação (com outros anos) é problemática”, explica o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG. “Estamos diante de uma situação sui generis.”
Entre as características singulares do pleito deste ano está o fato de que as alianças partidárias e o tempo de TV tiveram muito menos importância do que em outros anos, por exemplo, com a internet e as redes sociais assumindo um papel muito maior.
Neste ano, os nulos e brancos somaram 8,79% do total de votos no primeiro turno – um número que está na média dos registrados nas eleições presidenciais desde o fim da ditadura. O menor índice foi de 6,4% em 1989 e o maior, de 10% em 2002 e em 2014.
Em 2014, votos brancos e nulos somaram 10% do total no primeiro turno e caíram para 6% no segundo. Em 2010, eles foram 7,1% no primeiro turno e 6,7% no segundo.
Já as abstenções (pessoas que simplesmente não vão votar) tradicionalmente aumentam: foram 19% dos eleitores registrados no primeiro turno de 2014 e 21% no segundo.
De acordo com a última pesquisa Ibope, a intenção de nulos e brancos para o segundo turno é ligeiramente superior à registrada no primeiro, de 9%.
Como a rejeição afeta nulos e brancos?
Na disputa pelos votos no segundo turno, os dois candidatos têm em comum altos índices de rejeição.
Na pesquisa Ibope desta segunda-feira, 35% dos eleitores disseram que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro e 47% rejeitaram Haddad.
A um dia do primeiro turno, a situação era inversa: o capitão reformado tinha 43% de rejeição e o petista, 36%, conforme a pesquisa Ibope de 6 de outubro.
“Tem muita gente que está declarando voto em branco pela incerteza, pela rejeição ao que é visto como dois extremos”, afirma Reis. No entanto, diz ele, não é possível afirmar que a polarização vai desestimular o eleitor a votar.
Pelo contrário: o extremo desgosto com um dos candidatos pode incentivar pessoas que não escolheram no primeiro turno a se posicionar para neutralizá-lo.
Uma possibilidade é inclusive que a polarização faça com que, além dos brancos e nulos, o número de abstenções também caia.
Essa é a opinião do professor Lucio Rennó, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
“É difícil especular, mas quanto mais competitiva uma eleição, maior pode ser o comparecimento. Tenderia a dizer que a competitividade pode nos mostrar o outro lado da moeda (diminuir a abstenção)”, afirma Rennó.
Questão matemática
Outro ponto importante, na visão dos analistas, é que, na prática, uma das candidaturas sempre acaba se beneficiando dos votos nulos e brancos – isso porque, matematicamente, eles ajudam quem está na frente, tanto no primeiro quanto no segundo turno.
Não é que o voto vá para alguém, mas, quando o eleitor vota nulo ou branco, esses votos não são contados entre os votos válidos. Isso faz com que, quanto maior o volume de brancos e nulos, mais fácil seja obter a maioria.
Isso porque, para eleger um presidente, é preciso mais de 50% dos votos válidos, não do total da votação.
Um exemplo: Se a eleição fosse em uma classe de dez alunos e todos votassem em um dos dois candidatos, para obter maioria e vencer seriam necessários 6 votos. Mas se 3 alunos votassem nulo ou branco, para obter maioria e vencer seriam necessários apenas 4 votos. Ou seja, fica mais fácil obter maioria e mais fácil vencer.
O mesmo vale se os 3 alunos faltarem à votação. Para o resultado final, os votos brancos, nulos e as abstenções (pessoas que faltam à votação) têm o mesmo efeito: ficam fora da contagem dos votos válidos.
Mas como isso tende a beneficiar o favorito nas pesquisas – que, no caso, é Jair Bolsonaro?
Considerando o total das intenções de voto, o ex-capitão está à frente, com 52%, enquanto Haddad tem 37%, de acordo com a última pesquisa Ibope, desta segunda-feira. Há, portanto, uma diferença de 15 pontos entre os dois candidatos.
A intenção de brancos e nulos é de 9% e os indecisos somam 2%.
Quando se consideram só os votos válidos, contudo, Bolsonaro sobe 7 pontos e tem 59% das intenções, ao mesmo tempo em que Haddad sobe 4 pontos e chega a 41%. A distância se aprofunda para 18 pontos.
Isso acontece porque, sem os nulos e brancos na conta, cada voto individual “vale” um pouquinho mais e, portanto, quem hoje tem mais votos sobe mais pontos.
“Não se posicionar acaba contribuindo pra quem está ganhando”, afirma Reis.
Como isso afeta as campanhas
Durante a campanha eleitoral, muitos apoiadores de Bolsonaro têm tentado aproveitar essa vantagem matemática: depois do primeiro turno, diversos militantes pró-Bolsonaro passaram a incentivar o voto em branco de quem rejeita o candidato.
Mas quem realmente precisa correr para conquistar os eleitores que votaram branco e nulo é a campanha do candidato do PT – ele precisa atrair uma boa parte deles se quiser superar a diferença de 18 pontos contra o adversário.
“Certamente é uma questão mais crucial, mais decisiva para Haddad, que tem que conquistar o pessoal que não votou e ganhar votos de quem declarou voto a Bolsonaro”, explica Reis.
Essa é também a opinião do sociólogo Thiago de Aragão, diretor da consultoria Arko.
“A onda de crescimento que Bolsonaro teve no primeiro turno continua. Se a gente tem um candidato favorito, ele tem a vantagem de não precisar se reinventar”, afirma Aragão
A campanha de Haddad tentou se reinventar: mudou a identidade visual para ter menos vermelho e mais verde e amarelo, afastou a imagem de Lula e fez um aceno ao centro e aos que ainda não decidiram ou pretendem votar em branco.
Segundo os analistas, o fato de ter chegado em segundo lugar no segundo turno e a necessidade de atrair esses votos fez com que Haddad tenha sido empurrado para essa estratégia.
“Se reforçasse o caráter de esquerda, iria consolidar os votos que teve, mas correria o risco de alienar os indecisos e eleitores de outros candidatos no primeiro turno.”, afirma Aragão.
No entanto, de acordo com o especialista, mesmo que essa estratégia seja bem sucedida, ela não será suficiente para ajudar o candidato do PT a virar o jogo. “Haddad depende de algum acontecimento extraordinário ou de um erro do adversário para ganhar”, avalia.
“Os principais pontos negativos que ameaçaram Bolsonaro no primeiro turno estão ligados a coisas que foram ditas por sua equipe. O que mais o prejudica é seu próprio pessoal.”
Ou seja, de acordo com ele, Bolsonaro nem precisaria se preocupar com nulos e brancos, abstenções ou eleitores indecisos. “Em tese ele já tem o que precisa para ganhar. Basta ter uma campanha discreta e não cometer nenhum erro”, diz o especialista.