PL 27/2018: um avanço pela metade na proteção aos animais
- 24 de agosto de 2019
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No dia 07 de agosto de 2019 (quarta-feira retrasada) foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei 27/2018, que teve origem na Câmara dos Deputados.
Eis a ementa do referido Projeto:
Acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos (BRASIL, 2019).
A explicação da ementa é a seguinte:
Determina que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa (BRASIL, 2019).
Esse Projeto tem o objetivo de proibir que animais sejam juridicamente tratados como coisas, criando uma natureza jurídica específica para animais não-humanos. Lembremos que, atualmente, nosso Código Civil os equipara a “coisas semoventes”.
O texto é de autoria do deputado Ricardo Izar (PP-SP) e chegou ao Senado em 2018. A proposta terá de voltar para análise da Câmara dos Deputados, pois foi modificada pelos senadores.
Pelo projeto, os animais são reconhecidos como seres sencientes, termo que une sensibilidade e consciência. Isso significa que os animais não-humanos, assim como o homem, sentem dor e emoção e estão sujeitos ao sofrimento. Mas o termo senciente pode referir-se também a experiências positivas, como prazer e felicidade.
Cabe ressaltar que a senciência dos animais não-humanos já fora reconhecida desde 2012, na Conferência de Cambridge:
[…] o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos (INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS, 2012).
A luta pelo reconhecimento de que, por serem sencientes, os animais não-humanos devem ter garantidos seus direitos fundamentais (de 4ª dimensão) pode parecer estranha e até mesmo insignificante para alguns. Mas recordemos que ela se assemelha a várias lutas históricas, como, por exemplo, a da libertação dos negros escravizados, os quais também eram comparados a coisas.
A pretensa superioridade humana sobre os demais seres ocupantes do planeta condena-os a uma vida servil. E, quando o homem confere algum direito aos demais, faz com que uns sejam favorecidos em detrimento de outros, configurando o especismo seletivo, onde é atribuído valor moral a algumas espécies, mas não a outras.
Equiparar aos animais os mesmos direitos que hoje são apenas dos humanos para muitos, parece algo desnecessário e incompreensível. Essa avaliação começa equivocada dado a ignorância (ou desconhecimento) de que os animais possuem a sua própria forma de inteligência, de vida, seu modo autêntico de comunicação e organização social. Não são e nunca foram seres desprovidos de inteligência, que precisariam ou deveriam ser controlados pelos humanos (SERRÃO, 2015).
Observa-se que por ocasião da aprovação do PL, foi também acatada a emenda do Senador Otto Alencar, do PSD/BA, a qual estabelece que a tutela jurisdicional não abrange os animais de produção (atividade agropecuária) nem os que participam de manifestações culturais (como a vaquejada).
Proteção aos animais?
Pode-se afirmar, portanto, que apesar de a aprovação do PL 27/2018 no Senado representar um avanço no que se refere ao status jurídico dos animais não-humanos, a exclusão dos animais de produção e os que participam de manifestações culturais denota sua face especista e subserviente aos interesses econômicos. Se não, qual a razão da proteção estender-se apenas a alguns animais e desconsiderar outros?
É inegável que valores milionários giram em torno da atividade envolvendo a produção de carne e demais produtos advindos da agropecuária. E as pretensas “manifestações culturais” também movimentam muito dinheiro através da realização de rodeios, vaquejadas, tiro de laço e outras competições. Isto posto, pode-se deduzir que interesse econômico e o poder de alguns grupos que muito lucram com a exploração de animais suscitaram a exclusão de bilhões de vacas, ovelhas, porcos, galinhas, cavalos, touros e outros – repetindo: seres sencientes – da tutela que lhes é devida.
O Projeto agora retornará à Câmara, onde se espera que esse acréscimo segregativo seja refutado, pois TODOS os animais não-humanos devem possuir os mesmos direitos.
[Texto: Gisele Kronhardt Scheffer. Foto: Ilustração]